Os Alcoolémia celebram 30 anos e Manelito fala-nos do percurso da banda

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A celebrar 30 anos de actividade ininterrupta, nasceram em 1992, cantando em português, os Alcoolémia conquistaram com muito mérito o seu espaço no panorama musical nacional e hoje são uma das bandas de referência. Actualmente conta com dois membros fundadores, o mentor da banda Manelito e o regressado Jorge Miranda, depois de 13 anos de ausência, os Alcoolémia continuam em grande estilo e a encantar os fãs.

Para assinalar esses 30 anos de existência, que são muitos, mas que passaram rápido, fomos ao encontro de Manelito.

FOCUSMSN: Manelito como te descreves quando jovem, eras o rebelde ou o calminho do grupo?

Manelito: Era mais o calminho do grupo, devido ao facto de ser o mais velho, tinha mais responsabilidade sobre os outros, mantinha-os sobre determinadas regras para não descarrilarem, dava-lhes rédea curta (risos), falando sério, ainda bem que existia essa diferença de idades, ajudou bastante nas decisões e contornar os obstáculos com que nos fomos deparando no nosso percurso, em todos os campos e a variados níveis, eles, como mais novos, tinham menos experiência de vida, de maneira que sempre confiaram e me respeitaram.

F: Como surgiu o gosto pela música e a ideia de formar uma banda?

M: Muito antes de formar uma banda, a minha mãe, era eu adolescente, ofereceu-me uma guitarra daquelas de cordas de nylon, mas que não me cativou. Eu gostava muito de ouvir bandas com distorção, cheguei a ter algumas aulas de guitarra com um professor conhecido dos meus pais, mas o som não me satisfazia.

Sempre gostei de ouvir música, lembro-me da minha mãe me oferecer um rádio Philips amarelo e eu adormecia com o rádio ligado, sintonizado nos programas musicais da época. Numa determinada altura um dos meus amigos comprou uma guitarra, eu tive a sorte de um outro amigo me emprestar a guitarra dele e um pedal de distorção, e sozinho comecei a aplicar-me a sério, foram os primeiros passos como guitarrista ritmo.

Mas não te ficaste por aqui…

Entretanto, como na altura era o único que trabalhava, os outros eram estudantes, acabei por tornar-me no investidor da futura banda. Comprei uma bateria por 5.000 escudos que era uma desgraça, para uso daquele que viria a ser o primeiro baterista dos Alcoolémia, o Hugo Fernandes, a bateria não tinha ponta por onde se pegasse, mas já dava para as primeiras batidas.

Comprei um amplificador de baixo e recebemos uma guitarra eléctrica de oferta que nos ajudou imenso, compramos também um baixo, mais tarde eu comprei dois amplificadores de guitarra, e acabamos por ficar com o backline completo, arranjamos uma sala de ensaios, na Torre da Marinha, e começamos a fazer os primeiros barulhos, aquilo não soava a nada, mas foi assim que começamos. Numa de autodidactas, íamos trocando impressões e lá fomos progredindo, alguma coisa de bom haveria de sair, pelo menos era a nossa esperança (risos)

Estavam empolgados…

Naquela fase estávamos verdadeiramente empolgados e quando terminávamos um ensaio falávamos logo num próximo, havia muita vontade e muita adrenalina no ar (risos), foi um período muito engraçado da nossa vida. Mais tarde, com o passar do tempo e após alguns originais feitos com a banda a chamar-se Chapada Bastante e Zé-Pó-Vinho, sentimos necessidade de passar para outro nível, precisávamos de ter uma referência para percebermos como estávamos a evoluir, começámos então a tocar os temas do primeiro álbum dos Censurados, foi uma boa ideia para aprendizagem a todos os níveis, estruturas, o que era verso, refrão, melodia de voz, etc.

A partir dessa fase e já com os elementos que viriam a fazer parte da primeira formação dos Alcoolémia, surgiram os temas ‘Curtir a Vida’, ‘Quero-te Ver Nua’ e um instrumental que se chamava Alcoolémia, este último chegamos a gravar para uma coletânea do Seixal Rock 92, mas devido a problemas entre o estúdio que o gravou e a entidade que supostamente o ia lançar acabou por não ver a luz do dia, com muita pena nossa.

F: Quem foram esses teus amigos que te acompanharam nesta aventura?

M: Eram os meus amigos do futebol de rua, amigos do Fogueteiro, onde tudo começou, curiosamente o que comprou a guitarra ia só assistir aos jogos, não tinha grande jeito para jogar, se calhar por isso tentou arranjar uma outra distração, era irmão do Hugo Fernandes, o nosso primeiro baterista nos Alcoolémia.

O certo é que de repente ficamos encantados com esta novidade, a malta da bola passou para o rock e a partir daí começamos a fazer mais barulho do que a dar pontapés na bola. Nesse grupo de ‘futebolistas’ faziam parte o João Miranda e o irmão Jorge Miranda que, juntamente comigo, fundamos mais tarde os Alcoolémia, e que ainda hoje fazem parte da banda, o João deixou a guitarra e desde há muitos anos que é o nosso técnico de frente, e o Jorge, que depois de 13 anos fora dos ambientes musicais, regressou este ano para reassumir a voz, o Pedro Guerreiro que era o baixista, e, claro, o Hugo Fernandes na bateria.

F: Como disseste anteriormente a música fez parte da tua juventude, que bandas te influenciaram?

M: A banda que mais me influenciou e que cantava em português foram os Censurados, tive o privilégio de ter o Samuel Palitos como vizinho, ele morava no andar de cima da minha casa no Fogueteiro, o pai ofereceu-lhe uma ‘tarola’ de modo que comecei a ‘levar’ com as primeiras ‘taroladas’ que ele dava no instrumento (risos). Criamos uma boa amizade com o gosto pela música em comum. Mais tarde ele voltou para Alvalade e começou a dar os primeiros passos a nível de bandas e eu acompanhei aquela que me chamou mais atenção que era os Censurados.

A nível internacional as bandas que foram e são influência até aos dias de hoje, o que não quer dizer que tenha de fazer igual ao que eles fazem, são os AC/DC e os Metallica, tenho também uma influência muito grande de bandas portuguesas, entre elas os Xutos & Pontapés, UHF, TAXI, Peste & Sida, Radio Macau, e claro aquela que mais me influenciou para ser músico os Censurados.

F: Em 1992 acabas por formar uma banda que completou este ano 30 anos de carreira. Porque escolheram o nome Alcoolémia?

M: Foi complicado escolhermos um nome para a banda, já nos tínhamos chamado Chapada Bastante e Zé-Pó-Vinho, mas achávamos que eram dois nomes que já não faziam muito sentido, resolvemos fazer uma lista com 100 nomes, cada um de nós apresentou 20, e a escolha recaiu no Alcoolémia, uma ideia do João Miranda, e que foi consensual, mas ainda hoje estou para saber porquê (risos)

F: João Miranda sai em 1993 da formação da banda, ele que foi o compositor de quase todos os temas juntamente contigo do vosso álbum de estreia em 1995, incluindo a canção ‘Não Sei Se Mereço’, acabando por ficar ligado ao grupo noutras funções, qual o motivo desta mudança?

M: Na altura o João tinha outras perspectivas, a banda estava no início, andávamos a brincar por assim dizer, não havia qualquer retorno financeiro e o João resolveu seguir a vida dele e começar a trabalhar no ramo da informática, nós continuamos, e arranjamos um substituto, estávamos longe de imaginar que no primeiro disco atingiríamos o disco de prata.

Entrou o Carlos Botelho para o lugar do João, mas como já tínhamos muitos temas prontos que viriam a fazer parte do primeiro álbum, tudo se tornou mais fácil, aliás a maior parte dos temas já estavam compostos por mim e pelo João Miranda, acrescentando-se apenas alguns arranjos com a entrada do novo guitarrista e trabalhando já a outro nível, que resultou numa segunda demo de 7 temas, também gravada no estúdio Heaven Sound, com aquele que viria a ser o produtor do nosso primeiro álbum João Martins.

F: Fugindo um pouco ao tema, não tocas apenas nos Alcoolémia, tens outros projectos paralelos inclusive uma passagem pela rádio, queres falar-me disso?

M: A passagem pela rádio foi em 1995, na altura eu dei algumas entrevistas na Super FM e o diretor de programação achou-me extrovertido e convidou-me para fazer parte de um programa que era o ‘Força total à música nacional’. Ainda estive uns meses, mas depois do lançamento do primeiro disco dos Alcoolémia e por incompatibilidade de horários com a banda, porque o programa era ao sábado e coincidia com muitos dos nossos concertos, tive que abandonar. Foi uma experiência muito boa, que dava destaque às bandas nacionais que estavam a dar os primeiros passos.

Toco nos Re-Censurados, uma banda tributo aos Censurados, com o Bruno Paiva e o Márcio Monteiro e toco no Horas Vagas uma banda de originais de rock e punk/rock cantado em português.

F: Quando iniciaste este percurso em 1992, que sonhos e objectivos musicais tinhas?

M: Não tinha sonhos, era apenas o prazer de estar entre amigos a fazer coisas de que gostávamos, não tínhamos qualquer noção do que iria suceder a seguir, já nos divertíamos imenso estarmos fechados numa garagem a fazer barulho, dava-nos uma imensa alegria e nos preenchia. Não abandonámos a carreira futebolística de rua, continuamos a dar uns pontapés na bola, mas depois íamos soltar a adrenalina na garagem (risos).

F: Imaginaste, por algum momento, que irias ter tamanha longevidade e sucesso musical?

M: Nem pensar nisso, o mercado vive da novidade e de modas, hoje podes estar no topo e amanhã já ninguém fala de ti, e como acontece com todas as bandas nós também tivemos altos e baixos, mas sempre acreditamos no que fazíamos, sempre nos deu prazer fazer música, fomos resilientes e o certo é que 30 anos depois ainda aqui estamos. Nestas três décadas muitas bandas de sucesso e bem maiores que a nossa ficaram pelo caminho e nós cá continuamos, acho que o segredo desta longevidade foi por sempre termos tido empresários ligados ao meio musical interessados em projectar os Alcoolémia e isso fez toda a diferença.

F: Em 1995, editam o primeiro álbum de inéditos e a banda salta para a ribalta com a canção que deu título ao disco ‘Não Sei Se Mereço’. Esta música foi a principal responsável pelo reconhecimento da banda e por estarem agora a celebrar os 30 anos de carreira?

M: Foi um pouco isso, lançamos o álbum com 11 temas e, nos espectáculos que já tínhamos feito, notávamos que era a música que sobressaía, era a mais cantada pela plateia, a que empolgava mais o público, mas quando estamos a tocar para uma plateia em que a maioria são nossos amigos a coisa é suspeita, para eles nós éramos a melhor banda (risos) nem que fosse a da nossa rua, mas quando o disco foi lançado a nível nacional e atingiu a prata aí vimos que tínhamos feito qualquer coisa de jeito.

Na época estas distinções estavam ‘reservadas’ para bandas já com outro reconhecimento e de repente aparecem cinco putos do Fogueteiro, muita gente nem sabia que terra era essa, a ganhar um disco de prata, foi uma entrada com o pé direito no meio musical.

F: A partir daqui tiveram que trabalhar mais ainda para mostrar ao público e aos fãs, que entretanto adoptaram a banda, que este sucesso não era obra do acaso, trouxe-vos mais responsabilidade, acabou a boa vida?

M: Olha, começamos a ter que conciliar os concertos ao vivo para os quais éramos solicitados e ao mesmo tempo ensaiar e compor novos temas, foi complicado e ficamos a perceber porque há bandas que têm um grande álbum de estreia e depois nos seguintes não conseguem o mesmo nível de qualidade.

Depois, a editora, face ao sucesso, quer rapidamente mais trabalhos e colocam a fasquia ainda mais alta, investem na melhoria das condições para a banda gravar e na sua promoção, para atingirem mais lucros. Depois há a nossa preocupação em melhorar para não defraudar as expectativas dos fãs, o que acaba por gerar algum pânico, receio entre nós e dúvidas, mas acho que sempre fomos audazes e confiantes, não tivemos medo da responsabilidade que estavam a depositar em nós. Definitivamente acabou a boa vida (risos) era altura de correr riscos e fazer mais e melhor.

F: Começaram a ser solicitados para concertos pelo país, foi a saída do anonimato, foi o boom musical da banda?

M: Exactamente, deixamos de ser uma banda do concelho do Seixal, para nos tornarmos uma banda nacional, passamos a ser requisitados para concertos por todo o país, deu para conhecer Portugal de lés-a-lés, foi muito enriquecedor. Deixamos de ser uma banda regional para passarmos a ser nacional e saltar para os grandes palcos, para o mainstream e poder partilhar o palco com bandas que até então idolatrávamos, foi algo mágico para nós.

F: Em 1997 editam o segundo álbum Não Há Tretas onde se destaca a música ‘Fugir Para Quê’. Nesta fase da carreira sentiam que estavam no sítio certo para concretizar os sonhos e objectivos?

M: No sítio certo estávamos, agora o desafio era mantermo-nos nesse sítio para continuarmos a viver o sonho, neste segundo álbum tentamos dar continuidade ao anterior, manter as raízes do rock, numa mistura com pop e punk/rock, como tínhamos variadíssimas bandas de referência e nos revíamos nestas diferentes vertentes musicais, criamos um mix de sonoridades que nos soava bem.

O curioso foi termos descoberto que tínhamos mais jeito para compor temas pop que propriamente punk/rock ou mesmo grandes canções rock, até pelo feedback que o público nos dava, tanto assim é que as maiores referências musicais dos Alcoolémia, são o nosso lado mais pop, nomeadamente as nossas baladas.

O segundo álbum já foi composto de forma diferente do primeiro, foi composto musicalmente por mim e pelo outro guitarrista, fez-se uma pré-produção com o João Miranda, num Fostex de 4 pistas, na garagem nos Foros de Amora, e dado ao Jorge Miranda para escrever as letras, sossegado no conforto do seu lar.

A editora aceitou o material e posteriormente fomos para o estúdio Tcha-Tcha-Tcha em Miraflores, com o produtor João Martins, para gravação.

Este álbum foi o sucessor natural do ‘Não Sei Se Mereço’, onde acrescentamos mais alguns temas pop, tínhamos na ideia que era o nosso forte. Do álbum ‘Não Há Tretas’ destacou-se a nossa versão rock do fado ‘Nem Às Paredes Confesso’, que ainda hoje é um dos momentos altos do nosso espetáculo.

F: Estavam no sítio certo e em 1998 lançam o álbum, o terceiro, ‘Até Onde…’. A balada ‘Até Onde Posso Ir’ é uma música em que a letra tem alguma conotação com as dúvidas que tinham no futuro ambicioso da banda, naquela fase da carreira, ou era simplesmente uma canção apaixonada?

M: Não, esta letra foi escrita pelo Jorge Miranda e reflectia uma fase da vida dele, relacionada com paixão, saber se era amor ou não, se era uma amizade colorida, ele tinha um alvo para essa letra.

Na minha modesta opinião esse deveria ter sido o single de lançamento do álbum que era um álbum totalmente acústico, mas a editora, contrariamente à nossa preferência, escolheu uma canção que tem a participação, em castelhano, de um amigo nosso, o Diego Gil, dos extintos Flood, que é o tema ‘Quero Protestar’.

Talvez numa tentativa de entrar no mercado espanhol, na altura havia o canal ibérico ‘Sol Música’, mas a intenção não resultou, o tema acabou por passar ao lado, sem quase destaque nenhum em rádios e acabou por nos sair caro, não baixamos os braços e com ajuda de um amigo, que nos aconselhou uma pessoa para ser nosso promotor, acabou por nos dar o impulso que precisávamos.

Contamos também com a preciosa ajuda de um grande amigo e admirador da banda, o sr. Fragata, que nos financiou e ajudou a realizar o videoclipe do tema ‘Até Onde Posso Ir’, voltamos então à carga e acabamos nós por fazer a promoção desse tema porque a editora Movieplay já não mexia uma palha por nós.

A promoção deu frutos, nomeadamente no que se traduziu em actuações ao vivo, foram 4 anos na estrada a divulgar o álbum acústico ‘Até Onde…’, que contava com vários convidados, entre eles músicos que tocavam violino, violoncelo, entre outros instrumentos, foi o disco em que a editora MoviePlay mais investiu, mas que acabaria por ser o último com esta editora.

F: Nesta altura a banda atinge o pico no que a edição de álbuns de inéditos diz respeito, três discos em quatro anos. Regressam nove anos depois, em 2007, com outro sucesso, o álbum homónimo Alcoolémia. A que se deveu terem ficado tanto tempo sem compor?

M: A razão foi muito simples, lançamos este terceiro álbum pela MoviePlay, graças a este disco, fizemos várias aparições em programas na TV e muitas actuações pelo país fora, foi o que mais retorno financeiro nos deu, mas curiosamente embora tenhamos tido muito sucesso na divulgação ao vivo do álbum, comercialmente ficou aquém daquilo que a editora esperava, com vendas inferiores aos álbuns ‘Não Sei Se Mereço’ e ‘Não Há Tretas’.

Como resultado disso, a editora colocou-nos na prateleira, ainda apresentamos novos temas mas eles não se mostraram interessados, na altura estavam a apostar em bandas que cantassem em inglês. Depois de algum tempo e sem qualquer resposta sobre o futuro, tivemos então que rescindir contrato e partir em busca de outra editora, todos estes processos demoram, daí o facto de termos ficado tanto tempo sem lançarmos coisas novas, com agravante que trocámos alguns elementos na banda, o que nos atrasou mais um pouco para podermos estar prontos para tocar ao vivo.

Finalmente, firmamos contracto com a editora Espacial, mas tivemos que ser nós a financiar os custos da pré-produção, produção, masterização e videoclipe, a editora ficou apenas com a responsabilidade da promoção e distribuição.

Foi um momento crucial para a banda, um novo ciclo, uma nova realidade, quero enaltecer os meus companheiros pela coragem que tiveram em acreditar no projecto, esse investimento que fizemos em nós, permitiu a continuidade da banda numa altura de muitas incertezas.

F: Do álbum destaco a canção ‘Há Quanto Tempo Ando Aqui’, com o refrão ‘Aqui É Que Me Sinto Bem’ cantando superiormente pelo Jorge Miranda. Pouco tempo depois deixa a banda, o que se passou?

M: Foi uma situação muito estranha para nós, estávamos a lançar o quarto álbum, que para mim é um dos melhores álbuns da banda, que irá fazer em Novembro 15 anos do seu lançamento, tínhamos demorado tanto tempo, passado por tantas dificuldades e depois da travessia do deserto ficámos sem vocalista.

Tínhamos dois temas na banda sonora da novela juvenil Rebel Way, transmitida na SIC, esgotámos a primeira edição do álbum, nem queria acreditar, depois do esforço monetário que foi fazer a pré-produção, a gravação, pagar ao produtor, a masterização feita nos E.U.A, para de repente ficarmos naquela situação, mas tivemos que aceitar, a vida é assim mesmo, o Jorge Miranda tinha-se casado, tinha sido pai, aumentaram as responsabilidades e as prioridades inverteram-se, procurou outras saídas profissionais que lhe trouxessem proveitos seguros.

F: No início de 2009 entra o João Beato uma voz mais suave e melodiosa, alterou de alguma forma a sonoridade e musicalidade da banda?

M: Tivemos que alterar, o João Beato tinha umas referências musicais bastante diferentes das do Jorge Miranda, uma sonoridade vocal distinta, de modo que tivemos que nos adaptar a essa nova realidade. Esta nova forma de trabalhar resultou na alteração do DNA da banda, sabíamos que ia ser assim, corremos esse risco, mas não fomos bem sucedidos, foi a realidade, e todos percebemos isso.

F: Como surge o João Beato nos Alcoolémia?

M: O João Beato já tinha feito parte da equipa técnica dos Alcoolémia, como roadie, em 2004, tinha sido durante uns meses o baixista da banda, quando sai o Jorge convidamos um amigo nosso que declinou o convite por estar envolvido noutros projectos. O João Beato foi a segunda opção, por iniciativa minha, pedi ao Pedro para falar com ele tendo em conta a amizade de adolescência e a cumplicidade que eles tinham, inclusive já tinham sido companheiros numa outra banda nos anos 90.

F: Consideras que se abriu um novo ciclo musical nos Alcoolémia com a entrada do João Beato?

M: A entrada dele deu-se depois de quatro álbuns, em que os nossos fãs tinham como referência a voz do Jorge Miranda, e mesmo depois de algumas músicas com algum sucesso comercial com o João Beato, os fãs continuavam a achar que os Alcoolémia tinham perdido a identidade devido a alteração da sonoridade e do timbre da nova voz.

Durante os anos em que o João Beato foi o rosto da banda, o barco foi-se mantendo à tona, eu sentia que o rumo não era o da vivência, mas o da sobrevivência, alterou totalmente o rumo musical da banda, portanto, admito que com o João Beato iniciou-se um ciclo diferente nos Alcoolémia.

F: Em 2014 editam o disco na ‘Palma Da Mão’ e atingem o sucesso musical com o single que dá nome ao disco. Depois de sete anos sem novos trabalhos e com o novo vocalista, o sucesso manteve-se. Estavas à espera de uma tão boa aceitação por parte do público?

M: O disco ‘Na Palma da Mão’ foi quase um recomeçar da banda, aliás a sonoridade era tão distinta que, quando as músicas tocavam na rádio, as pessoas só sabiam que era dos Alcoolémia se o locutor dissesse. A partir deste disco percebemos que tínhamos que fazer algo para não matar a banda, nomeadamente regravar temas antigos com o João Beato para o público associar a nova voz aos Alcoolémia, felizmente tivemos esse discernimento e os resultados foram logo outros.

F: ‘Ter o Mundo Na Palma Da Mão’ mostra uma visão individual em como cada pessoa pode controlar o ‘seu mundo’, a sua vida. Sentes ter o ‘teu mundo’ na palma da mão?

M: Completamente, tomo as decisões que acho as mais corretas para a minha vida, às vezes podem não ser as melhores opções mas são as que no momento acho serem as mais acertadas. O mesmo em relação à banda, somos nós que decidimos o rumo, traçamos um plano, que pode no futuro não ter o resultado desejado e ambicionado, mas temos que saber lidar com a adversidade se ela acontecer, o importante é sentir que temos o nosso mundo na palma da mão.

F: ‘Já Não Há Gente Boa’, é o sexto álbum de inéditos da banda, o segundo com o João Beato. Há nas letras críticas à sociedade em geral, mas também críticas direccionadas ao individual, o disco é um desabafo e revolta para com algumas pessoas que de certa forma vos desiludiram?

M: São letras do João Beato, neste álbum são quase todas dele, espelham no fundo as opiniões e as suas visões, apesar de eu achar que felizmente ainda há gente boa e o desafio da vida é nós percebermos quem está para nos ajudar e quem não está, em quem confiar e não confiar, e em quem está conosco nos piores momentos. Percebo a letra, onde ele quis chegar, há uma generalização, mas mal de nós se não houvesse ainda gente boa, e são esses que fazem a diferença e que todos nós queremos ter por perto nas nossas vidas.

F: Em 1 de Abril deste ano (2022), para assinalar os 30 anos de carreira, lançam o álbum de inéditos ‘Já Não Há Gente Boa’ com João Beato como vocalista, mas a celebração ao vivo, nesse mesmo mês (21), no auditório do Seixal, foi com o Jorge Miranda. A que se deveu a saída inesperada do João Beato?

M: Pelo timming, de quando aconteceu, dá ideia de ter sido repentina pois foi logo após o lançamento do disco ‘Já Não Há Gente Boa’, mas o atraso no lançamento deveu-se à pandemia, nós já tínhamos o disco pronto há um tempo só que resolvemos não o lançar durante a pandemia, porque lançarmos um disco e depois não o promover com concertos ao vivo, não nos traria nada de bom, não compensava financeiramente. Por voltas do destino, acabou por ser lançado no ano em que fazíamos 30 anos de carreira e, para nós, fazia todo o sentido fazer o convite ao Jorge Miranda para regressar à banda.

Lançamos o disco no dia 1 de Abril e no dia 2 falamos com o João Beato, ele entendeu as nossas razões, foi uma decisão unanime dos restantes elementos da banda que ele respeitou, agradecemos todo o empenho que ele teve ao longo dos anos, mas era altura de virarmos a página e seguirmos em frente com a convicção que foi uma decisão acertada.

F: ‘É Agora’, esta música foi de alguma forma premonitória para as alterações que se seguiram para dar um rumo diferente à banda?

M: Como te disse as letras foram escritas pelo João, ele não fazia ideia do que iria acontecer, nem nós mesmos tínhamos isso em mente quando estávamos a compor o álbum, foi uma situação premonitória para ambas as partes, foi pura coincidência, pesou o facto de irmos celebrar 30 anos e acharmos que o deveríamos fazer com o vocalista fundador da banda, era chegada altura certa para o trazermos de volta.

Podíamos ter feito o convite mais cedo, afinal de contas estamos a falar de um dos principais protagonistas do sucesso dos Alcoolémia, havia pressão por parte dos fãs para que isso acontecesse há mais tempo, já não dava para ignorar essa pressão.

F: O regresso do Jorge Miranda é um regresso ao passado, um retomar da sonoridade vocal original que fez dos Alcoolémia uma banda de referência nos idos anos 90. O bom filho à casa torna?

M: Exactamente, é mesmo isso. Foi a lufada de ar fresco que a banda precisava, uma motivação extra, mas a mais importante foi fazer as pazes com o nosso público que desejavam esse regresso há muito tempo.

Além de ser o regresso da voz que lançou a banda para fora do anonimato, o Jorge Miranda tem uma maneira muito sua de se relacionar com o público, tem carisma, é genuíno e isso galvaniza-nos também a nós em todos os aspectos. O Jorge Miranda é um autêntico animal de palco e pessoalmente acredito que ainda iremos fazer muita coisa boa enquanto banda com o contributo dele.

F: Eu tive a felicidade de estar no auditório do Seixal, no concerto que marcou o regresso do Jorge e mais recentemente no ‘Sol da Caparica’. Duas coisas me saltaram à vista, uma delas foi a alegria que o Jorge Miranda demonstrou em palco, feliz pelo regresso a casa, parecia aquela criança a quem se lhe dá um simples presente e que ela imagina do tamanho do mundo.

Outra é no contacto com o público, o que valoriza muito a banda, o facto do vocalista se integrar, interagir e cantar com ele. No ‘Sol da Caparica’ saltou por duas vezes do palco e foi cantar, tirar selfies e abraçar os fãs durante a actuação.

Noto aqui um desejo de afirmação, a necessidade de reconhecimento e carinho por parte dos fãs, e uma saudade imensa por tempos passados que ele quer recuperar. Concordas com a minha análise, queres comentar?

M: Claro que sim, nesses dois concertos o Jorge tinha expresso no rosto a alegria do regresso aos Alcoolémia, uma banda que sempre foi dele. Era muito importante para ele sentir aquele carinho, aquele apoio, a energia positiva dos fãs, para ganhar confiança e seguir conosco para projetos futuros.

Há 13 anos atrás ele tomou a decisão de sair da banda, mas acredito que os Alcoolémia estiveram sempre presentes no seu pensamento, talvez em alguns momentos ele se tenha arrependido de ter tomado a decisão que tomou.

Imagino que o Jorge deve ter passado por momentos de saudade, hoje em dia ele concilia a profissão dele com o compromisso para com a banda, e neste aspeto quero fazer uma mea culpa, na altura em que ele saiu deveríamos ter falado melhor com ele, somos humanos e podemos errar, mas também podemos todos fazer mais e melhor em qualquer situação, devíamos ter pensado melhor no que essa alteração iria implicar no futuro da banda e arranjado uma solução boa para ambas as partes, afinal de contas só a morte não tem solução.

F: Que projectos para o futuro?

M: Vamos entrar em estúdio para gravar duas surpresas, que não posso revelar senão deixam de ser surpresas (risos), a seu tempo iremos desvendar, para depois partilhar com os nossos fãs e com os nossos amigos, e tentar promover ao máximo as músicas. Um novo disco virá a seu tempo, estamos neste momento a comemorar os 30 anos, vamos prolongar a celebração durante o próximo ano, iremos ver o que conseguimos fazer a nível de composição com ajuda do Jorge Miranda que tem o ADN dos Alcoolémia.

F: Ser o líder de uma banda com 30 anos de existência não foi fácil com certeza, lidar com pessoas com diferentes ideias e opiniões traz sempre desgaste e muitas vezes algum desânimo. Queres destacar quais as fases mais difíceis que atravessaste na banda, em contraponto as que mais prazer e alegria te deram e fazer um balanço destas três décadas?

M: Olha, nunca me vi no papel de líder mas sim de uma pessoa que sempre tentou resolver os problemas com que me ia deparando durante a nossa caminhada, lutar contra as adversidades e ser um elo de ligação entre os restantes elementos da banda, tentar ser sempre um exemplo para os restantes, de seguir em frente e acreditar sempre.

A fase que mais alegria me deu, pelo surpreendente sucesso que atingimos, foi o período dos três primeiros discos. Tivemos idas às televisões, vizinhos que nem sequer me cumprimentavam e de repente já diziam bom dia e boa tarde, só para dizer que me conheciam, concertos por todo o país, tocamos em dezenas de discotecas, concelhos, distritos, festas de verão por todo o país, foi uma fase em que nos descobríamos todos os dias, isso provocou uma alteração positiva na minha vida e na vida de todos os elementos dos Alcoolémia.

Na altura devido aquela caixinha mágica chamada televisão e também às rádios, o sermos reconhecidos e galardoados com uma medalha de prata de mérito cultural aqui no nosso concelho do Seixal, o recebermos um disco de prata por vendas superiores a 10.000 unidades do álbum Não Sei Se Mereço, temas nossos em variadas coletâneas, onde constavam grandes bandas portuguesas, foi um grande motivo de orgulho.

O pior momento foi a saída do Jorge Miranda, claro que houve outros momentos difíceis, mas a saída do Jorge abafa todos os outros, foi o início de uma travessia do deserto, perdemos alguma identidade. Passaram pela banda alguns guitarristas, baixistas e bateristas, e não querendo desprestigiar qualquer um dos músicos que passaram por nós, a mudança não foi notada, agora o vocalista que estava no auge do sucesso e de reconhecimento por parte dos fãs, que era o rosto e a voz do grupo, as coisas já não se passaram da mesma forma.

Felizmente ultrapassámos os obstáculos que a vida nos foi colocando e estamos por isso a comemorar 30 anos de carreira. Quero agradecer a todos os músicos sem exceção, que passaram pelos Alcoolémia, por todo o contributo profissional e apaixonado que deram à banda. Só assim se tornou possível.

F: Queres nomear os músicos que compõem actualmente a banda e há quanto tempo te acompanham?

M: Claro que sim, o baterista Márcio Monteiro e o baixista Bruno Paiva estão na banda desde 2014, o guitarrista Pedro Madeira está na banda desde finais de 1999, o Jorge Miranda de regresso desde Abril deste ano e eu (Manelito) desde o início da banda.

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