Célia Leiria, ‘Mulher Amor’ o novo álbum da fadista

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“Não me queiras desse jeito / como quem quer possuir / Não sou tua por direito / É no leito do respeito / Que me deixo enfim dormir.”

É com estas palavras de uma outra voz do fado que este século XXI revelou que começa “Não Digas Que Sou Tua” de Marta Rosa, um dos temas do novo álbum de Célia Leiria, “Mulher Amor”.

Guiados pelo acordeão de Luciano Maia e pelo contrabaixo de Carlos Menezes (que também assina a composição musical), estamos aqui com um pé no tango e outro no fado, plenamente convictos que estas duas músicas portuárias têm mais em comum do que à primeira audição se possa pensar.

E se o “leito do respeito” que Célia Leiria aqui canta é o de uma relação sentimental, sente-se também na carga que a sua voz transporta o grande respeito por este género musical que é o fado.

Não é decerto por acaso que este novo disco da fadista se chama “Mulher Amor”, destacando assim não só o papel preponderante das mulheres para a História do género como também homenageando uma das fadistas mais marcantes que a década de 1960 revelou: Teresa Tarouca.

Interpretado originalmente por ela em 1980 e incluído então no seu álbum “Portugal Triste”, vemos aqui como pode uma voz desta geração “beber” da “fonte pura” e ao mesmo tempo transportar o passado recente para o presente. A voz de Célia Leiria impõe-se de facto não por qualquer estridência ou volume, mas pela segurança e pela memória que traz em si.

Quem canta assim, canta por destino. E é por isso que quer quando recria momentos que muitos já esqueceram da História do Fado quer quando dá voz a uma canção inédita como “Até ao Fim”, de Pedro Martins, Célia Leiria mostra-nos que aquilo a que chamamos “moda” tem geralmente menos a ver apenas com valor e muito mais com os holofotes estarem teimosamente apontados todos para um mesmo lado – porque quando nos aventuramos um pouco para além dessa luz que por vezes ofusca mais do que revela descobrimos trabalhos como este “Mulher Amor”. E como não nos rendermos?…

No capítulo das cumplicidades com a mais recente geração, merecem também destaque “Jogo” e “Maria, Flor de Jade”. Se no primeiro é Teresinha Landeiro a construir a narrativa lírica com que Célia Leiria nos entretece a alma, no segundo é com a poesia de Gonçalo Salgueiro que contamos.

Musicalmente, estamos também em muito boas cordas, com Pedro Amendoeira, João Filipe e o já referido Carlos Menezes – e decerto que outro dos autores aqui revisitados, Martinho d’Assunção, concordaria com esta afirmação. “Fica Sabendo”, do repertório de uma das maiores fadistas vivas – Fernanda Maria – é mais uma prova de que o novo fado tem, em primeiro lugar, que ser fado para poder depois almejar ir mais além.

Célia Leiria não é uma fadista que quer ser diferente a qualquer custo ou que ousa transgredir pelo eventual mediatismo que isso lhe possa trazer. Ao incluir neste seu “Mulher Amor” duas composições escritas para Maria da Fé (“Vem de Longe o Teu Sorriso” e “Meu Amor, Meu Sangue Novo”), publicadas originalmente em 1990, sabe bem perceber a força que carrega consigo.

É por isso que é tão fácil e recompensador pararmos o tempo quando nos entregamos à audição deste disco, na certeza de que o fado em 2024 tem também que passar por ele. O tempo de Célia Leiria não acabará aqui nem em nós, mas é agora que nos cabe reconhecer o seu talento. Demos-lhe a mão – e o coração!

João Carlos Callixto

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